Crônica: Infância
©Texto autoral. Todos os direitos reservados Esses dias cruzei com um meme de internet que dizia “Nunca foi timidez, sempre foi falta de interesse” e, com um sorriso meio de lado meio debochado, fui levada às minhas memórias de infância. Sempre fui classificada como uma menina muito tímida, embora vez ou outra fosse respondona (ou insubmissa, como preferir). Até tive um pai rigoroso, mas também nunca fui atraída por festanças — se assim fosse, teria dado meu jeito de ir em muitas. Sempre fui atraída pelos livros e muito questionadora. A escola sempre foi meu sétimo céu e os professores, os adultos que eu mais admirava. Nunca vou esquecer de um professor que fez a turma toda ficar em silêncio só para eu fazer uma pergunta porque eu raramente fazia perguntas na aula dele. Lembro de conhecidos que diziam para os meus pais e cuidadores que eu era “estranha” e “devia socializar mais” e como eles se preocupavam com isso. Não queriam que eu me sentisse excluída. O que não entendiam é que eu me excluía por vontade própria. Achava a maior parte das pessoas a minha volta vazias. Adultos inclusos. Uma mistura dos Inocentes do Leblon de Drummond com uma miopia estranha de não olhar o que vai além da ponta do próprio nariz. Não os culpo, veja bem, apenas reproduziam o que socialmente absorveram: a necessidade de caber em caixas. Vestiam suas fantasias como em um eterno carnaval e queriam que eu escolhesse a minha, e esta incluía: falar com quem eu não gostava, bajular quem eu não admirava, rir do que eu não achava graça, me cercar de pessoas que não me significavam nada. Essa fantasia nunca me coube, sempre foi apertada demais. Quando eu era criança eu gritava e esperneava, depois de alfabetizada fiz das folhas em branco e dos livros escritos minha segunda casa. Como sou grata aos meus pais e cuidadores pela paciência que tiveram! Não me podaram, direcionaram. A vida foi passando, fui estudando e encontrando meus iguais. Hoje, mestranda em universidade federal, escritora publicada e professora, olho para trás e sorrio um sorriso largo, uma risada gorda de satisfação por nunca ter me encaixado em lugar nenhum. Só assim pude descobrir o caminho ao qual eu já pertencia. Há quem hoje em dia, ao ver minhas lives e saber da profissão que escolhi — professor fala pelos cotovelos, não tem jeito — , diga que “mudei muito” e “estou melhor”. É, algumas pessoas serão eternamente inocentes, mesmo não estando no Leblon. Nunca foi timidez, sempre foi falta de interesse. E hoje, em muitos, muitos casos, ainda é. fotos de alguns escritos da minha infância